O pão de mel é nove
— Bom dia, vai ser o que hoje?
— Um frapuccino, por favor. E esse pão de mel aqui. Tá quanto ele?
— Nove.
— Hm. Só o frapuccino.
— Claro.
— Quinze reais, pagamento?
— Crédito.
— Pode inserir ou aproximar. Seu nome?
— Rafael.
— Obrigada, Rafael. Só aguardar que vão te chamar pelo nome.
— Obrigado.
— Próximo?
— Oi, bom dia.
— Bom dia, senhora.
— Nossa, tão corrido o dia hoje.
— Ô.
— Tá fácil pra ninguém.
— Pois é.
— Tá fácil não.
— Qual vai ser o pedido da senhora?
— Vai ser só o café.
— Qual tipo vai ser?
— Café.
— Perdão, o tipo. A senhora quer expresso, coado, temos o cardápio aqui.
— Hm.
— A senhora quer ver o cardápio?
— O que vocês têm?
— Que tipo de café a senhora gosta? Mais tradicional, doce, frio?
— Credo, café frio?
— Nós temos algumas opções.
— Cadê o cardápio?
— Logo aqui, senhora.
— Só tem isso de opção?
— Tem do outro lado também, as opções mais doces.
— Ó. É mesmo.
— Frapuccino, mocaccino, tem milk-shake com café também.
— Ah, não, são sete e meia da manhã.
— É.
— Dia já começa agitado.
— Pois é.
— E são só essas opções?
— Na frente e no verso.
— Suco, vocês tem?
— Não, senhora.
— Hm.
— E pra comer?
— As opções ficam aqui na estufa. Temos pão de queijo, coxinha…
— Esse pão de mel tá quanto?
— Ele é nove.
— Nossa. Desse tamanho?
— Temos o brownie também.
— Ele é quanto?
— Também é nove.
— E o pão de queijo?
— Sete. Tem as plaquinhas aqui.
— Ah… Acho que quero só o café.
— Qual tipo?
— O que vocês têm?
— As opções no menu, senhora. Aqui os mais simples. Aqui umas opções especiais. Os doces atrás.
— Nossa, café frio, né?
— Quer um deles?
— Credo, claro que não. Me vê só um café mesmo.
— Expresso, coado, americano?
— O comum.
— Coado?
— O comum.
— Certo. Certo senhora. Normal ou duplo?
— Qual é a diferença?
— No coado tá aqui, ó.
— Esse é o comum?
— É, coado.
— Nossa, mas é o dobro, é muita coisa.
— Vai ser o normal então?
— Isso, o comum.
— O coado, mas normal ou duplo?
— O comum normal. O básico.
— Tá certo. Forma de pagamento?
— Dinheiro.
— Seis reais, qual é o nome da senhora?
— Lica.
— Tá certo, Dona Lica. Só esperar que vão chamar pelo nome.
— Esperar ali?
— Onde a senhora quiser, fica à vontade.
— Mas vão chamar onde?
— Ali no balcão.
— Eu posso ficar lá?
— Claro.
— Mas eu queria me sentar…
— A senhora pode se sentar, quer que a gente leve pra senhora?
— Ah, não quero dar trabalho.
— Mas a senhora vai ouvir chamar seu nome, pode ficar tranquila.
— Mas só tem mesa lá, eu vou ouvir?
— Vai sim, a gente leva pra senhora, não se preocupe.
— Não, não. Eu só quero saber se vou ouvir. Eu tô bem das pernas ainda, menina.
— Claro. A senhora vai ouvir sim.
— Tá bom, obrigada.
— Obrigada a senhora.
— Amiga, ficou sabendo da fofoca?
— Ih, peraí que a fila deu uma aumentada.
— Corre aí que eu tenho que te falar.
— É sobre aque–
— Pode me atender, por favor?
— Desculpa, senhor. Qual é o seu pe–
— Eu tô faz meia hora nessa fila, que servicinho, hein?
— Desculpa, senhor, esse horário é bastante movimentado.
— Não tá parecendo, se vocês podem ficar aí de conversinha.
— Claro, desculpa pelo inconveniente. Pode me passar seu pedido.
— Se eu chamo seu gerente, quero ver se vocês ficam assim de cochicho.
— Ela é minha gerente, senhor. Quer que eu chame?
— Hm. Devia chamar só pela insolência. Mas pelo jeito, é igual.
— Claro. O pedido?
— Esse é o problema, sabe? Quem trabalha agora é tudo assim.
— Se o se–
— O dono põe dinheiro do bolso, às vezes até pega empréstimo, faz o sacrifício.
— E–
— O trabalhador não tá nem aí. Tá tudo ao contrário hoje em dia. Só olhar praquela ali.
— Senhor…
— Aí a gente que fala isso, que quer as coisas certas, é que passa de vilão.
— O seu pedido?
— É, né, fazer o quê. Um café, só.
— Qual tipo? Temos mais tradicionais, frios, doces, pode dar uma olhada no cardá–
— É o problema aí, ó. Na minha época, café era café e pronto.
— O senhor vai querer o coado, então?
— Ficam inventando coisa, tudo tem que ser diferente.
— Cada pessoa tem seu gosto.
— É diversidade que chama, né? É tudo isso agora. Essa merda.
— O senhor quer ter menos opções?
— Quê? Como que uma caixa fala assim comigo? Quem você pensa que é?
— Eu só estou te atendendo, senhor.
— Está me respondendo, isso sim.
— É que o senhor disse que já estava esperando a mu–
— Dá vontade de ir embora sem pagar nada, mas eu fico com pena.
— Com pena?
— Com pena do seu chefe. Do dono aqui. Perdendo cliente por causa de trabalhador mal-educado.
— Se o senhor quiser entrar em conta–
— Me vê logo esse café pra não piorar ainda mais o meu dia.
— Qual tipo senhor?
— Café, menina. Café!
— Um café coado, então. Normal ou duplo?
— Pra quê tanta opção? Café, pelo amor.
— Seis reais, senhor.
— Nossa, finalmente!
— Qual é o nome do senhor?
— E pra que que você quer saber, hein?
— Vão te chamar pelo nome quando tiver pronto.
— Não tem senha?
— Não. É pelo nome.
— Que negócio desorganizado. E se tiver dois com o mesmo nome? É Felipe.
— Tá certo senhor, forma de pagamento?
— Crédito.
— Quer sua via?
— Quero.
— Aqui está, senhor.
— Vocês ficam com a via só pra gente não perceber que tão passando errado.
— Passei o seu pedido, senhor, seis reais. Pode conferir.
— Nunca mais venho nessa espelunca.
— Volte sempre.
— Nunca mais. Bando de matraca de pena colorida.
— Fi-… Próximo?
— Bom dia.
— Bom dia.
— Vou querer um macchiato duplo e um pão de queijo.
— Macchiato e um… Mais alguma coisa?
— Só isso.
— Deu dezesseis. Pagamento?
— Crédito.
— Pode inserir ou aproximar. Qual seu nome?
— Larissa.
— Obrigada, Larissa. Vão te chamar pelo nome.
— Obrigada.
— Próximo, por favor.
— Oi, bom dia.
— Bom dia.
— Aqui, deixa eu te perguntar, eu tava tentando fazer o pedido pelo app.
— Sim?
— Tem esse cupom de um expresso mais pão de queijo por dez.
— Isso mesmo. Vai querer ele?
— Eu quero, mas não tô conseguindo resgatar o cupom.
— Você já é cadastrado?
— Sou, tô logado aqui.
— Posso ver?
— Aqui, tá vendo? Eu aperto resgatar e fica rodando a rodinha sem parar.
— Tá conectado?
— Nos dados, sim.
— Não quer tentar pelo wi-fi da loja?
— Ah, não, eu não vou parar a fila toda. Coitado de todo mundo.
— É rapidinho.
— Ah, sei que nunca é.
— É só conectar, a senha é essa aqui.
— Eu sei que a senha é essa. Eu trabalho com computador o dia inteiro.
— Você não quer conectar?
— Eu não confio em conexão pública. Pode ter um monte de coisa nessa rede.
— Nós temos uma equipe de TI, eles tão sempre de olho.
— Eu sei o que uma equipe de TI faz, ué. Mas não confio mesmo assim.
— Desculpa, então você quer tentar de novo? Talvez foi uma instabilidade.
— Se fosse eu saberia. Instabilidade é quando o servidor não tá aguentando.
— Sim, eu se–
— As pessoas falam das coisas sem nem saber como elas funcionam.
— Mas e–
— Tá assim, todo mundo acha que sabe de tudo.
— É.
— Eu já fiz curso de programação.
— Legal.
— Eu assino canais especializados pra ficar por dentro.
— E o pedi–
— Tem um, o AlphaTecBro, você conhece?
— Não conheço.
— Viu, é isso que eu falo. Quem entende mesmo sabe.
— Claro.
— Ele tem um vídeo sobre essas redes de comércio. Sabe o que ele fala?
— Não sei, não.
— Que tem loja hoje em dia que usa isso de desculpa pra coletar dados.
— É?
— É, claro que é. E aí eles reúnem tudo pra saber dos nossos hábitos.
— Eles quem?
— Você sabe quem.
— Não sei, não.
— Essa turma aí. Eles querem expulsar a gente dos lugares. Deixar só quem eles querem.
— Expulsar de onde?
— De tudo.
— De tudo? É... Você não vai pedir nada, então?
— Tô tentando o app.
— Você falou que não ia–
— Você sabe que o desconto desse app é pra pegar nossos dados.
— Sim, pra usar como estratégia de fidelização e estudar o pú–
— Eles pegam nosso CPF pra fazer a gente sempre vir aqui.
— É o que eu tava dizendo, que–
— É tudo marketing.
— É… Claro. Só um segundo. Senhora, abriu o outro caixa. De nada.
— Já fiz várias reuniões de marketing lá na empresa.
— Legal.
— Fiz um curso na Visual Hub. Com o ex-CMO da Nike.
— Legal.
— Só de ter aula com ele é uma nota, não é qualquer um. Dez mil pra começar.
— A aula é presencial?
— Não, são vídeo aulas. Ele libera no Youtube para quem paga.
— Ah.
— Então, tudo que eles fazem com esses apps é pegar seu dado.
— Sim, o desconto é o incentivo.
— Não, não é simples assim.
— Não?
— Claro que não, até parece. Eles contam com a inocência das pessoas assim.
— Como é então?
— O desconto é para capturar a atenção e gerar engajamento.
— Foi o que eu fa–
— O engajamento aumenta o conversion rate.
— Isso, faz as pessoas virem e comprarem mais na loja.
— Se você for falar pro público geral, pode dizer isso.
— É.
— Mas a verdade é que eles querem subir o retention rate e o reselling rate, diminuir o churn.
— É a mesma coi–
— Isso é tudo explicado lá. Você parece que gosta da área. Devia estudar.
— É.
— Tem cursos mais baratos. Até grátis.
— É mesmo?
— Não vai tão fundo quanto esse do Visual Hub. Esse é pra quem quer voar.
— Nossa.
— Você põe o certificado no Linkedin e chove oferta.
— Nossa.
— Ontem a Microsoft mandou um convite pra eu ir trabalhar no vale do silício.
— Olha, você vai?
— Não, meu caminho é meu sabe. Tenho umas ideias.
— Ah.
— Várias ideias…
— E o pedido?
— Ah é. Agora foi aqui ó. Era só uma instabilidade.
— Mas você tinha fa–
— Eu mostro o QR né?
— Isso, aqui. Dez reais, crédito?
— É.
— Pode inserir ou aproximar.
— Quem insere hoje em dia, né? Eu só uso no iWatch, muito mais fácil.
— Verdade. Qual o seu nome?
— Flávio, e o seu?
— Aline.
— Aqui…
— Mais alguma coisa?
— Tava pensando, será que eu podia te chamar pra sair um dia desses?
— Oi?
— Sei lá, eu não sou disso, mas a gente se conectou tanto aqui agora.
— Desculpa, mas eu tô trabalhando.
— Claro, mas à noite, ou quando você tiver folga. Me passa seu zap?
— Desculpa, eu não posso no horário de trabalho.
— Que isso, só tô chamando pra conversar. Eu não sou esses caras chatos não.
— Eu sei, ma–
— As mulheres ficam com isso de que todo homem é ruim. Querem acabar com os homens.
— Hm.
— Eu nunca maltratei uma mulher.
—Com certeza, claro.
—Se você sair comigo, eu te mostro.
— Não, obrigada, eu tenho que continuar atendendo. Esse horário é movimentado.
— Eu sei, ué. Mas é só falar sim ou não. Fala sim. O que que tem uma saída?
— Eu não posso falar sobre isso, o senhor vai querer sua via?
— Por isso que tem tanta mulher sozinha hoje em dia.
— Se você continuar segurando a fila, vou ter que chamar minha gerente.
— Algum problema aqui?
— Ah, não. Não precisam vir se juntando em mim, não. Eu vou embora. Pode falar nada mais.
— O seu pedido já vai ser entregue senhor. Só seguir para o balcão.
— É… Servicinho de merda viu.
— Obrigada.
— Só mais uma manhã, né? Inferno.
— Só mais uma manhã.
— Vou chamar o César pra ficar aqui no caixa. Eu preciso te contar a fofoca.
— E eu preciso de um ar.
— Tô vendo. Já volto.
— Valeu… Próximo?
— Bom dia.
— Bom dia, vou querer um expresso duplo e uma água com gás.
— Claro, mais alguma coisa?
— Hm… O pão de mel tá quanto?
— Nove reais.
— Eita.
— Vai levar?
— Ah, não, só o expresso e a água.
— OK. Qual vai ser a forma de pagame–
— Oi, menina, aqui.
— Pois não, senhor Felipe?
— Erraram meu pedido, veio só esse pouquinho. Isso aqui não é nada.
— O senhor pediu o coado normal, senhor.
— Mas você não me deu opção. Não tem opção nessa joça?
— O senhor disse que queria o café comum.
— É, mas você não me falou da quantidade.
— Eu fa–
— E é só o que me faltava, caixa me respondendo.De novo.
— Eu só tô–
— Não te ensinaram que o cliente tem sempre razão?
— Mas o se–
— Francamente viu, cadê o gerente desse mequetrefo?
— Eu posso chamar a geren–
— Quer saber? Deixa pra lá, não vou perder mais meu tempo.
— É que o senhor fa–
— Eu vou é embora e nunca mais volto nesse antro de coisa.
— Eu… Ah, desculpa por isso. O seu deu quinze. Crédito ou débito?
— Ah, tem gente que é assim, não se preocupa. Vai ser no débito.
— E qual é o seu nome?
— Estefâneo.
— Perdão, Istefan?
— Não, Estefâneo.
— Ah, desculpa, Istefânio.
— Com é.
— Claro, minha cabeça hoje… Estefânio.
— Não, com é no fim.
— Istefâneo.
— Estefâneo.
— Estefâneo.
— Isso.
— Deixa eu pegar outro copo, um segundo. Assim?
— Isso.
— Quer sua via?
— Precisa não.
— Obrigada e volte sempre.
— Obrigado.
— Aline, vai respirar um pouco.
— Valeu, César. Cadê a chefe?
— Já cascou.
— Tá certa ela.
— Tá certa ela. Próximo?
— Valeu mesmo, César.
— Tá me devendo.
— Tô sim.
…
— Olha você aí.
— Oi chefe.
— Podia não me chamar assim?
— Não posso.
— Importante é pegar um ar.
— O ar puro e fresco do corredor do shopping.
— Viu que tá tendo promoção na Zara?
— Como se fosse fazer diferença.
— Aquela blusa que você viu na vitrine tá com vinte porcento.
— Vinte porcento de uma caralhada ainda é uma caralhada, só que menor.
— É um jeito de se colocar…
— Ainda tô pagando o conserto do computador.
— Como tá indo a faculdade?
— Eu agora odeio marketing.
— Então ela tá indo como deveria ir.
— É. Minha chefe podia me dar um aumento.
— Se eu pudesse dava. Mas eu também preciso que o meu chefe me dê um aumento.
— É só pedir.
— Rá, rá.
— Rá, rá, disse bem.
— Já conseguiu o estágio?
— Só um não remunerado.
— É, aí é foda. E aquele outro que você falou?
— Tempo integral. Não cobre o que eu ganho aqui.
— Puts.
— É, puts. Ai, ai. Mas então para assuntos mais leves. E a fofoca?
— Ah, você não vai acreditar!
— É melhor ser boa mesmo.
— Muito. Muito boa.
— Sou toda ouvidos.
Comentários
Postar um comentário