Acho que este texto vai ser curtinho. E acho que não tem spoilers demais além da premissa do filme Ghostlight. Eu só acho, tá? Tô começando a escrever agora. Provavelmente não vou revisar pra voltar aqui e consertar. É o meu incrível nível de profissionalismo.
Mas vem comigo.
Sempre me incomodou como o termo escapismo é pejorativo. A gente podia ficar um bom tempo aqui discutindo o motivo e chegar à conclusão óbvia: vem dessa ideia terrível de que tudo que a gente faz tem que ter um objetivo prático ou um sentido literal. E fugir disso é perder tempo. Mas isso é conversa pra outra hora.
Por agora, o que eu queria falar é como o filme Ghostlight mostra que escapismo é muito mais do que ignorar algo que incomoda. É processar aquilo que parece impossível de ser processado logicamente. Tomara que eu consiga não escapar do escopo.
Hã, hã.
O escapismo em Ghostlight
Ghostlight é um filme de 2024, escrito e dirigido por Kelly O’Sullivan, que conta a história de uma família despedaçada. Quando somos apresentados aos personagens principais, vemos traços muito comuns:
- o pai que está reprimindo emoções o tempo todo como uma panela de pressão com o pino preso;
- a mãe que se sente isolada e desconectada da própria família;
- a filha que não encontra um meio para expressar suas emoções e começa a recorrer à agressividade.
No começo do filme, não sabemos a causa de todo esse desarranjo – e não vou contar aqui, claro, nem sei se o trailer mostra isso. Mas, independentemente do motivo, fica claro que são pessoas com algo grande e grave para lidar dentro delas mesmos.
Quem nunca, né?
A premissa da história é centrada no pai, Dan (Keith Kupferer), que descobre, bem em frente à obra em que trabalha, uma equipe de teatro comunitária.
Sem saber bem o que está fazendo e por quê, acaba sendo recrutado para participar de uma peça de Romeu e Julieta. Mas o que faria alguém que não parece nem um pouco conectado a artes – embora goste muito de acompanhar a filha nos musicais da escola – aceitar fazer parte de uma peça assim do nada?
Como uma das personagens fala logo em sua primeira cena: “Para fingir que você não você por um tempo”.
A partir daí, a trama se desenvolve em volta do teatro e da revelação do que fez pai, mãe e filha chegarem ao ponto em que estão na vida. Algo tratado de uma maneira tão triste, mas ao mesmo tempo tão positiva, que impacta por muito tempo depois que os créditos rolam.
Afinal, por que a gente tenta escapar da realidade? É só isso mesmo, fingir que não somos nós? É ignorar os problemas? É alienar-se? Ghostlight me lembrou que pode ser muito mais do que isso.
Por que escapar e esconder são ações tão diferentes
Talvez um dos problemas do termo seja o verbo que ele usa. Escapismo sugere fugir, que sugere evitar. Estou ocupando meu cérebro com outra coisa para não ter que pensar nisto.
Eu não tenho a mínima formação em psicologia, neurologia e afins. Não sei o objetivo desse processo no nosso cérebro ou o que ele causa. Só posso falar do que eu sinto quando escapo, algo que vi refletido no filme – embora as proporções sejam bem diferentes.
Existem emoções e lembranças que são impossíveis de lidar, pelo menos por um tempo ou por uma ocasião. Precisamos de apoio, de conversar, de ajuda profissional, coisas que nem sempre estão disponíveis da melhor maneira da forma que precisamos.
Se não temos como enfrentar, temos duas escolhas: escapar ou esconder. É assim com um leão, com um assassino imortal em filme de terror ou com uma lembrança constrangedora da quarta série. Até que achemos uma arma, física ou filosófica, só nos resta tentar não sermos devorados.
E, para memórias, sentimentos e angústias, uma das opções é bem melhor do que a outra – embora, claro, o ideal seja lidar com aquilo, mas tudo tem sua hora.
Esconder sentimentos é afundá-los no lugar mais escuro dentro da nossa cabeça e esperar que ele desista. Divertidamente 2 toca nesse assunto de uma forma bem legal, até. Funciona a princípio, mas eles nunca vão embora de verdade. Ficam lá, crescendo sem acompanhamento e se tornando verdadeiros monstros.
As cenas iniciais de Dan no filme mostram exatamente isso. Como a gente segura tanto que uma hora explode, por mais que tentemos nos convencer de que estamos bem.
Já o escapismo é tirar esse monstro da jaula antes que se torne incontrolável e tentar ressocializá-lo junto com outros sentimentos e memórias. É não deixar que ele seja maior do que todo o resto que está lá dentro.
Escapando para dentro
O grande gancho de Ghostlight é como a relação da família com a peça de teatro começa a fazer paralelos com suas próprias vidas.
Quando apelamos para o escapismo, propositalmente ou não, geralmente nos voltamos para as artes: livros, filmes, histórias, jogos. Muitas vezes são hiperfixações, como hobbies, mas falo mais aqui do escapismo para a ficção.
Queremos ser outras pessoas. Ou nos imaginar em outros mundos, vivendo outras situações que não sejam a realidade difícil que enfrentamos.
Mas, pelo menos reparando nas vezes em que fiz isso, nem sempre somos atraídos aleatoriamente para um mundo ou história qualquer. Gravitamos o que tenha uma relação com o que estamos passando, por menor que seja. É exatamente o que atrai Dan para a peça.
Por mais que pareça um ato de ignorar e fugir, o escapismo pode ser também tratado como um ato de cura. Uma recuada estratégica. Uma oportunidade para que você se afaste o máximo possível do problema e consiga enxergá-lo com mais distância. Vê-lo como é, em sua totalidade de tamanho, volume e gravidade.
Quando escapamos, é dentro da nossa própria mente. Milhares e milhares de quilômetros, mas sem sair dos centímetros de massa encefálica. É achar um cantinho seguro ali dentro e esperar a tempestade passar. E ter fôlego para respirar e reconstruir os escombros depois.
Por isso, não consigo pensar em escapismo como algum ruim, desde que a gente volte. Não dá para se sentir culpado por escapar da realidade às vezes.
Não é sempre que a gente consegue segurar todos os socos que ela dá.
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