Um tempinho atrás, eu tive que ir até o aeroporto de madrugada. Uma sensação que não costumamos experimentar, de ruas vazias, sinais furados e contemplação. As luzes da cidade vazia passam diferente pelo olhar. Borram diferente. Colorem diferente. Batem diferente nos seus problemas.
São muitas, mas por que muitos são os postes e os sinais. Nas casas, nos prédios, nas pessoas, elas são raras. Mas as histórias que contam…
Descendo uma avenida, contemplando as ruas vazias, notei uma janela iluminada em um prédio residencial enorme. Quarenta? Cinquenta janelas? A única luz acesa.
No vazio da madrugada e na contemplação, fui sugado para aquele lugar. Quem estava ali? Um casal? Uma família? Uma pessoa sozinha?
E por que estavam com o cômodo iluminado a essa hora da madrugada? Insônia? Briga? Amor?
Mas as histórias que eu contava, todas ao mesmo tempo, eram o de menos. Havia algo muito maior ocupando meu coração.
Será que quem quer que estivesse lá sabia que era dela a única luz acesa? E mais agoniante ainda, o que se sente no meio da madrugada sabendo disso?
Minha empatia virou um tipo de desespero. Será que minha vida é só um ponto de vista? Como eu seria se visto em outra perspectiva? De longe, de fora. Será que a minha vida é muito mais distante e o que a preenche é apenas um pedaço solitário de algo maior, sem que eu consiga sequer perceber a relação entre mim e o que está há minha volta por que é impossível me perceber fora de mim como é impossível perceber a vida fora da vida e—
Respira.
E se toda a minha vida é uma única luz acesa na madrugada?
E se toda a minha vida é uma única luz acesa na madrugada.
Pior que nem adianta pensar nisso. Eu não tenho acesso aos vizinhos. Mesmo se tivesse, não ia incomodar. Estão todos dormindo.
E a madrugada passa e a vida volta e eu fico sem jeito de perguntar se eles também acendem a luz quando a luz é rara. Se eles já se sentiram alguma vez como a única luz acesa. Mas não faz sentido perguntar isso meio-dia, eu teria que esperar a noite. Quando provavelmente estão dormindo.
É um ciclo irritante. Ir-ri-tan-te.
Isso tudo em quê, quatro segundos? Cinco? O carro passa e o prédio fica para trás. Talvez as ruas vazias não sejam contemplação. Apenas tédio mesmo.
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