Você já se imaginou em uma premiação importante recebendo um prêmio? Levantando como alguém ainda pouco conhecido, com outras celebridades descobrindo naquele momento que você não só é relevante como estaria mudando uma percepção geral naquele momento? Como a nova grande coisa? Depois improvisou seu discurso — na mente ou em voz baixa no banho —, um pouco em inglês embromado e o resto em português, dizendo que esse prêmio não é só seu mas de todo mundo que ajudou você a chegar até ali? Aí você saiu do palco, inicialmente errando o lado e ficando sem graça quando alguém te aponta o caminho certo? E você saiu para as fotos de divulgação enquanto deixava um burburinho no ambiente para depois voltar como se não fosse nada?
Por favor, diz que sim. Eu sei que é muito específico, mas pode mentir se quiser. Eu só quero achar que isso é comum para não pensar que tenho um problema sério e delirante a resolver.
Talvez não nesse nível de complexidade, mas eu sei que a maioria das pessoas em algum momento se imagina em uma situação assim. Afinal, reconhecimento alimenta a alma, tanto faz se ela é espiritual ou abstrata.
Toda premiação, do aluno destaque da sétima série até o Oscar, vira uma cerimônia exatamente por isso. Porque o reconhecimento precisa do envelope para ser melhor validado. Como se a embalagem aumentasse o valor do presente. E se o presente é simbólico, faz todo sentido que aumente.
Eu pensei em falar um pouco sobre isso exatamente em uma dessas premiações, mas não foram os artistas e seus discursos emocionados que me trouxeram o assunto à tona.
Foi durante o Grammy, quando uma cantora e um violão sentaram-se em destaque no meio do palco, com três grandes telões atrás dela homenageando pessoas notáveis na indústria que faleceram ao longo de 2022.
Você sabe como é. Música triste, fotos em preto e branco e comoções variadas dependendo da fama de quem aparece.
Foi aí que tive um conflito engraçado na minha mente. Algo na solenidade, no reconhecimento, fez com que eu me imaginasse estando ali entre aqueles retratos, como um grande artista reverenciado que já se foi. Talvez um compositor? Só poderia ser, já que eu não tenho muito dom musical.
Enfim, senti a mesma sensação de sempre para quem se imagina viver esse momento, os agradecimentos, a admiração, as viradas de cabeça, a atenção dos olhares.
Mas…
Eu não estou morto nesse cenário que acabei de imaginar? Como eu vou sentir os olhos, assistir as expressões, ouvir os cochichos? Qual é a diferença de toda essa reverência existir se eu não existo mais?
Depois de um segundo de conflito interno, comecei a pensar em como isso é natural. Quantas vezes já não ouvimos falar sobre pessoas que se eternizaram pelo seu trabalho.
Isso quer dizer que o reconhecimento é maior que a vida? A obra é maior que a pessoa? Isso é algo conectado ao nosso modelo de sociedade moderna ou é algo intrínseco ao ser humano? Será que um homem da caverna pensava nisso ao pintar na pedra?
Fantasiar em aparecer no bloco de homenagens da premiação é o limiar dessa dubiedade: para receber o reconhecimento máximo você tem que deixar de ser um elemento influenciador do próprio trabalho.
Talvez, pensar em fazer algo que seja maior do que você seja diminuir a própria vida. Ou talvez seja a forma de torná-la ainda maior.
A fantasia que flerta com a morte está sempre flertando com a eternidade. É um lugar bem esquisito da nossa mente, que não deve ser remexido com muita força. Porque, afinal, eu desejei estar morto naquele momento. Não uma morte objetiva, mas uma cerimônia de reconhecimento definitiva. Como se fôssemos apenas um veículo do que deixamos.
E essa é uma ideia terrível. Não somos ferramentas. Somos universos. Para nos reconhecer, basta um olhar atento e um pouco de tempo para a luz chegar aos olhos de quem observa. Ninguém precisa morrer para ser reconhecido como a pessoa que é. Tomara que a maioria delas perceba isso em vida.
É, eu sei, eu estou analisando demais isso. Mas, poxa, foram uns 5 minutos de post-mortem, não tem nem uma coreografia para manter a atenção.
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