O peso da guerra em Gundam

 

Imagem da série Gundam War in the Pocket, com uma criança de perfil com um capacete militar

Por muito tempo eu tive um pouco de preconceito para assistir o filme Rocky (1976) por ser geralmente vendido como um filme de boxe. Não é um esporte que eu ache divertido ou interessante de acompanhar, então por que vou ver dois caras se batendo por 2 horas?

Eu só tive o ânimo de assistir de verdade quando ouvi alguém falando diretamente: "Rocky não é um filme sobre boxe". Para algumas pessoas isso deve ser uma informação óbvia e abrangente, mas essa noção por acaso nunca havia chegado em mim antes desse dia.

Então eu finalmente assisti e me senti bobo de não ter feito isso antes. Rocky realmente não é um filme de boxe. É um filme sobre a aproximação de pessoas que sempre tiveram dificuldade em se abrir e encontram nisso o que têm em comum. O esporte é apenas o tema que o conduz.

Estou contando isso porque é exatamente a mesma sensação que tive recentemente, quando comecei a assistir as séries originais da animação Mobile Suit Gundam (1979). Foi uma grata surpresa, um sentimento que me fez até escrever um texto sobre.

(Eu ainda não escrevi o texto de fato neste momento que escrevo isso. Tomara que dê certo

Sobre o que eu acho que acho que é Gundam

Mobile Suit Gundam é um dos animes mais conhecidos no mundo. Em resumo (muito resumido), conta a história de uma guerra entre os humanos que continuaram na Terra e aqueles que migraram e nasceram em colônias espaciais.

É claro que muito do que é visto ali parece remeter bastante ao sentimento pós-guerra japonês. Assim como outras obras, como Túmulo dos Vagalumes (1988), o entretenimento no país parece ter sido bastante usado como forma de digerir o peso do que aconteceu na vida real.

E esta é a palavra que sempre me vem à cabeça quando assisto Gundam: peso. Toda a parte que já conhecemos bem de glorificação do militarismo está ali. Afinal, são robôs gigantes usando metralhadoras gigantes. Assim como em Rocky, esse ponto nunca me incentivou muito a dar uma chance para a série.

E assim como Rocky, eu estava enganado. Apesar de conter os mesmos signos, Gundam tem uma camada a mais que o torna muito diferente em sentimento do que eu veria em uma série ocidental de guerra. É um desconforto, talvez, algo que está sempre presente.

Apesar de ter muito mais tempo de robô se batendo do que Rocky tem de rounds, todo conflito na animação é uma disputa emocional. Dos dois lados da guerra — em que claramente não há um lado certo e um errado como essas obras geralmente têm —, os robôs são apenas ferramentas para os verdadeiros conflitos: os personagens entre si e com eles mesmos.

Gundam é sobre o que uma guerra tira de nós, das vidas que se vão, mas também a perda nas que ficam.

Um sinal interessante disso que reparei ao longo dos capítulos é que nenhuma morte individual é comemorada pelo outro lado. As grandes vitórias são, mas sempre com o peso dos que foram sacrificados e o questionamento se aquela luta vale o preço pago. Não há uma grande festa com a base inimiga em chamas ao fundo. Não há aquela glorificação do sacrifício sem sentido em filmes e jogos militares.

Foi esse aspecto que me atraiu para Gundam principalmente. O investimento emocional à frente do metal se chocando. E em um dos OVAs da franquia, isso bateu mais forte em mim do que nunca.

War in the Pocket

Mobile Suit Gundam 0080: War in the Pocket (1989) não tem o melhor nome do mundo. Antes de saber sobre o que se tratava, juro que pensei ser uma nova tecnologia que permitisse guardar um Gundam no bolso e apertar um botão para ele se expandir em um monstro de 20 metros. (Ou um novo modelo de Gundam que tivesse bolsos? Só pensei nessa possibilidade agora)

Mas, depois que você entende a premissa, percebe que é uma imagem com um significado incrível. A proposta da história é mostrar a grande guerra entre terráqueos e espaçonoides do ponto de vista de uma criança vivendo em uma das colônias que se declararam neutra.

E quantos de nós já não carregamos a guerra no bolso? Eu mesmo tive minhas armas de brinquedo, meus soldados, fiz minhas guerras imaginárias. Eu mesmo joguei jogos assim desde criança, comemorando a vitória no final, esquecendo todas as vidas que ficaram entre mim e o objetivo.

Não, este não é um texto sobre como crianças ficam violentas jogando jogos de tiro. A associação nunca é tão simples e direta assim. Eu fiz tudo isso e nunca agredi ninguém — pelo contrário, me considero uma pessoa muito pouco agressiva.

Mas é verdade que, dentro de um contexto de guerra, esses símbolos ganham mais poder. De propaganda, principalmente, mas também de criar uma aspiração a um ideal fabricado. É a mesma guerra, mas sem o peso dela que ficou no filtro midiático.

Um exemplo disso bem interessante vem logo no primeiro episódio. Alfred, o protagonista, é fascinado pelo militarismo e pelas Mobile Suits. Ele e os amigos vivem de conversar sobre a guerra e tentar coletar "relíquias" deixada para trás. Uma insígnia, uma capsula de bala, uma medalha, um uniforme.

Quando uma dessas batalhas acontece dentro da colônia, vítima impotente no meio de uma briga entre duas forças militares, a sua reação é verossímil com uma criança que ainda não entende bem o mundo e a vida.

Duas Mobile Suits começam um conflito no meio da cidade. A diferença de outras cenas assim é que o ponto de vista não é das criaturas de metal, mas das pessoas que estão no meio daquele caos. Prédios desabam, carros são esmagados, pessoas ficam feridas tentando fugir ou morrem como se fossem apenas danos colaterais.

Quando elas chegam perto da escola em que Alfred estuda, passam muito perto das crianças, quase acertando o prédio em que estão. A reação, porém, não é de medo. Alfred se encanta com a máquina que sempre viu em seus jogos e na televisão e corre fascinado atrás dela.

 A partir daí a trama vai se destrinchar de um jeito um pouco mais voltado para ação e espionagem, mas esse sentimento é o mais marcante em várias cenas durante seus 6 episódios: uma criança que idolatrava a guerra, mas que aos poucos descobre seu peso.

E o peso está nas pessoas que importam para você, para as consequências de cada ação que tomamos. O peso de não poder voltar atrás. Nem todos os robôs somados conseguiriam superar esse sentimento em quilos.

Gundam não é uma série sobre robôs assim como Rocky não é um filme sobre boxe. É mais uma lição para mim de que a conexão emocional é sempre a camada mais importante de uma história.




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